Cruzo as pernas despidas no ponto mais oeste da falésia. Sol que se põe.
No ponto mais longe da falésia, mais longe do mundo e mais perto de ti, mais perto do mar. Venho ver o por do sol.
De pernas cruzadas medito, este cheiro tão meu de mar agitado. Cá do alto, mais longe. Profundamente, mais perto..
Com o cabelo a voar e sentidos que saem de mim, e entram, tempestade de vida que me acorda e me enriquece.
Estou leve, de alma lavada e quente, cheia de sal e de vento. Parte desta falésia e deste mar.
A onda que formo em linhas lá atrás, como a sinto... Acaba por bater poderosa e feminina nas minhas pernas de rocha, despidas e secas de sal.
Da última vez disseste que tinhas de estar longe, que era melhor assim. Melhor assim? Para quem?
Fuga de pássaro! Como as gaivotas que vejo pretas no meio do sol, boomerangs em fuga para mais tarde voltar. Voltas?
A tua distância não te afasta. Enlouquece-me aqui e ali ao deitar. Mas não te afasta, nem te apaga.
Voltas sempre quando estou de alma cheia, por alguma razão metafísica, quântica ou de outra origem qualquer, num processo que finjo não controlar e que me ultrapassa.
Voltas-me sempre durante a calma, em pequenas doses, como a energia do sol laranja que me enche de mim e de paz.
E estás tão perto… Posso ouvir o teu respirar, de pernas cruzadas também.
Sinto o teu cheiro, mistura de jasmim e sândalo, e desses cigarros que enrolas e fazem rir. Faço o meu olhar de mãe, menina-mãe, mulher. Rimos os dois.
Fazes-me sentido, num silêncio acolhedor.
O céu vermelho, roxo e lilás. A espuma branca a fazer amor com a praia, as tuas mãos em mim, a tonalidade âmbar do ar que respiro… Estou cheia de mim e cheia de ti.
Fuga de pássaro, alma de pássaro, ninho. No ponto mais longe da falésia e do mundo.
O sol põe-se, bato palmas e canto por dentro. É a minha catarse e o meu sossego, que o desassossego fica-te melhor a ti.
A falésia está negra, a brisa é húmida e antecede a noite que se adivinha só, a insónia, o sonho ou a distracção. Vamos ver o que me calha.
As gaivotas que voam, o céu em brasas que se apagam, a alma cheia e tu escapas-me entre os dedos, outra vez, como grãos de areia fina e memórias que invento.
Disseste que tinhas de estar longe e que era melhor assim. Voltas quando o sol se vai embora, quando alguma estrela brilha no escuro, quando se ouvem gargalhadas felizes na vila ou com o sabor do peixe grelhado. Voltas quando queres e eu quero que voltes.
Não corro. Voas livre ao teu sabor, como eu quero que sejas, como a tua natureza obriga.
Não corro, não voou e não te procuro mais. Sabes que deixo a porta encostada e não te quero ao frio no alpendre.
Já não há sol na falésia, só mar. Doem-me as pernas cruzadas, que tremem arrepiadas do vento ou de ti. Estás longe, estás tão perto. Não estás aqui.