Ele fingia as palavras e lutava internamente para crer na sua própria mentira, esquecia-se que os olhos o atraiçoavam, não sabia que o avesso da sua conversa estava visível em todos os seus gestos. Mentia-lhe, tocava-lhe. Convencia-se que tinha de fugir. E fugia. Ele era capaz, sim, já o tinha provado. Ele era capaz de ser uma mentira segura e confiante, morna. Que vergonha. Ele falava, irritado, seguro do seu pecado. Sabia que ela fingia estar bem, convenceu-se que estava. Não tinha força para reconhecer o quanto a magoava quando ia embora, indiferente.
Ela continha o corpo, tinha medo que o seu tremor interno se sentisse debaixo da mesa, quando as suas pernas se tocavam num acidente forçado. Fingia estar bem, dizia-se bem, sorria. Na realidade estava, tê-lo por perto apagava todas as resoluções de partida. Tê-lo por perto era como estar em casa num dia horrível de chuva, era anestesiante.
Queria abraça-lo, mesmo sabendo que esse abraço não a levaria a lugar nenhum. Queria dar-se inteira, nua e crua. Queria dar tudo sabendo que era em vão. Mas fingia que já tinha passado, fingia ser forte e confiante, conformada. Não, não estava conformada, acreditava no esboço do romance que ela própria tinha pintado. Precisava de colo e estremecia com o seu cheiro.
Fingiam os dois, um controlo utópico. Ela que assim não o queria e Ele que só a queria um pouco. Era o começo de uma história e isso fingiam os dois não saber. Fingiam os dois.