quinta-feira, 13 de novembro de 2008

crescer

Um dia descobrimos que qualquer tempestade ruma inevitavelmente à acalmia.
Que se antes multiplicávamos vírgulas para explicar de forma convincente a nossa verdade, agora respiramos entre cada palavra, degustando o seu timbre peculiar.
Descobrimos prantos e euforias como degraus imprescindíveis, descobrimos Vida em cada hipérbole de dor passada.
Perífraseamos o caminho, escutando cada batimento interno. Procuramos sempre mais fundo, remendando feridas e perfumando cantos até então cheios de pó.
Descobrimos que o importa perturba, agita, baralha. E que a sua beleza está nessa existência pouco discreta e com muito sabor.
Descobrimos que a melhor dança é a que nos tira o fôlego e nos faz suar a alma, a que nos massacra o corpo, consumindo horas a fio de ensaio e sono.
Descobrimos um relógio que não cessa, num jogo que acaba a qualquer momento. Então, permitimo-nos brincar enquanto podemos e deixamos de nos preocupar.
Tudo pegadas à beira mar, em que vamos aprendendo que o medo das ondas não nos impede de nadar.

“Sentir é buscar”

terça-feira, 23 de setembro de 2008

eco

Há alturas de alguns dias em que só te quero arrancar de mim. Juro-te seu palerma.
Sai de mim, seu eco, palerma! Tu e eu. Sai de mim, monólogo.
Não me canso de te recitar e ainda assim tenho plena noção que não te conheço, que estás tudo menos decorado, meu palerma. Que vazio, que buraco na minha alma.
Mero monólogo, mero? Eu amo.
Não há amor no eco. Que loucura…poderá haver? Ás vezes és tão real, tenho tanta convicção que és mais do que frases que imagino e escrevo. Depois há só um eco, e uma melodia suave, com notas que se repetem e não descodifico, que me embalam quando fecho os olhos.
És uma ilusão, e eu não me canso de te alimentar. Porque quero. Quero-te muito, quero o que podes ser real.
Se gosto? de viver apaixonada por uma ilusão? Masoquismo puro.
O meu mal é acreditar, sempre foi. Acreditar em ti e em nós. Estarei maluca?
Não sei não ser sincera, não ser verdade comigo e contigo, com o que sinto e desejo.
Não sei deixar de te querer e de pintar este quadro.
Sai de mim! Mesmo que eu não queira, sai por uns minutos! Só para experimentar como é sem o mais pequeno vestígio. Sem o teu murmúrio baixinho, doce. Peço-te.
Sabes que eu me adoro, e tu fazes-me querer estar no meu melhor. Contribuis de uma forma positiva para o meu viver, digamos assim. Hoje vivo por mim e um bocadinho por ti, percebes? Eu também não, descansa…
Hoje vesti o vestido preto curto, sim, o que se aperta com um laço na cintura, que outrora arrancaste cheio de desejo de chegar ao meu corpo, de o ver só e nu, com essas mãos grandes e frias. Sempre viste com as pontas dos dedos, quando existias e me querias tua.
Perco-me…
Vesti o vestido preto e pintei os olhos com o lápis verde que gostavas. Um detalhe - costumavas adorar detalhes, não era? Se calhar é mais um dos meus devaneios, ou outro ponto que acrescentei a esta história. Imaginação não me falta. Se adorasses detalhes devias estar aqui agora, tinhas de estar. Ou és mesmo parvo e só eu não vejo.
Hoje vesti o vestido preto, pintei os olhos de verde, soltei o cabelo loiro e saí.
Vim passear, a ouvir bossa-nova no Ipod, a sentir esta luz de quase Outono bater-me nos olhos e a cidade cheia de vida e de cor. Vim passear, respirar. Que bem que a cidade me faz, e este vestidinho preto. Este sol.
A conjugação perfeita para te encontrar. Assusta-me, assusta-me pensar que possas ter motivado tudo isto… Tu e possibilidade de te encontrar. Seu fantasma, ilusão, monólogo, eco.
Não, eu sempre adorei perder-me pela baixa e os meus vestidos curtos. Não foi por ti.
Mas hoje é diferente, hoje estou inquieta, falta-me qualquer coisa, falta qualquer coisa a esta vista, a este banco verde a imitar os antigos, neste miradouro recuperado. Falta qualquer coisa à minha música, aos meus olhos pintados. És tu, seu palerma. Nem o cigarro sabe igual.
Só a possibilidade de estares perto… Fazes-me bem só de imaginar.
Gostava de te ver! Para o meu coração disparar. A querer fugir-me do peito e sair pela boca ou por qualquer poro distraído, para ficar tonta e leve e cheia de tudo e de mais um pouco. Completamente desorientada, sem chão e sem ar.
Gostava de te ver passar para me dar sentido, dar sentido a tudo o que sinto e escrevo, para deixar de ouvir só este eco de resposta. Este desaconchego na alma. A tua voz… Este nada.
Sai de mim, porque eu não sei tirar-te daqui. E eu tento, juro-te que tento. E não quero, é lutar contra mim. Mas estou a dar em louca, estou cansada de não te abraçar. Estou cansada de achar que amo alguém que não existe e que eu inventei, porque quando apareces és verdade. A verdade mais intensa, mais profunda e completa que provei.
Sai de mim, ou entra. Sê qualquer coisa seu palerma, meu amor.
Fazes-me falta, porra.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

repetições

Cruzo as pernas despidas no ponto mais oeste da falésia. Sol que se põe.
No ponto mais longe da falésia, mais longe do mundo e mais perto de ti, mais perto do mar. Venho ver o por do sol.
De pernas cruzadas medito, este cheiro tão meu de mar agitado. Cá do alto, mais longe. Profundamente, mais perto..
Com o cabelo a voar e sentidos que saem de mim, e entram, tempestade de vida que me acorda e me enriquece.
Estou leve, de alma lavada e quente, cheia de sal e de vento. Parte desta falésia e deste mar.
A onda que formo em linhas lá atrás, como a sinto... Acaba por bater poderosa e feminina nas minhas pernas de rocha, despidas e secas de sal.

Da última vez disseste que tinhas de estar longe, que era melhor assim. Melhor assim? Para quem?
Fuga de pássaro! Como as gaivotas que vejo pretas no meio do sol, boomerangs em fuga para mais tarde voltar. Voltas?
A tua distância não te afasta. Enlouquece-me aqui e ali ao deitar. Mas não te afasta, nem te apaga.
Voltas sempre quando estou de alma cheia, por alguma razão metafísica, quântica ou de outra origem qualquer, num processo que finjo não controlar e que me ultrapassa.
Voltas-me sempre durante a calma, em pequenas doses, como a energia do sol laranja que me enche de mim e de paz.
E estás tão perto… Posso ouvir o teu respirar, de pernas cruzadas também.
Sinto o teu cheiro, mistura de jasmim e sândalo, e desses cigarros que enrolas e fazem rir. Faço o meu olhar de mãe, menina-mãe, mulher. Rimos os dois.
Fazes-me sentido, num silêncio acolhedor.
O céu vermelho, roxo e lilás. A espuma branca a fazer amor com a praia, as tuas mãos em mim, a tonalidade âmbar do ar que respiro… Estou cheia de mim e cheia de ti.

Fuga de pássaro, alma de pássaro, ninho. No ponto mais longe da falésia e do mundo.
O sol põe-se, bato palmas e canto por dentro. É a minha catarse e o meu sossego, que o desassossego fica-te melhor a ti.
A falésia está negra, a brisa é húmida e antecede a noite que se adivinha só, a insónia, o sonho ou a distracção. Vamos ver o que me calha.
As gaivotas que voam, o céu em brasas que se apagam, a alma cheia e tu escapas-me entre os dedos, outra vez, como grãos de areia fina e memórias que invento.

Disseste que tinhas de estar longe e que era melhor assim. Voltas quando o sol se vai embora, quando alguma estrela brilha no escuro, quando se ouvem gargalhadas felizes na vila ou com o sabor do peixe grelhado. Voltas quando queres e eu quero que voltes.

Não corro. Voas livre ao teu sabor, como eu quero que sejas, como a tua natureza obriga.
Não corro, não voou e não te procuro mais. Sabes que deixo a porta encostada e não te quero ao frio no alpendre.
Já não há sol na falésia, só mar. Doem-me as pernas cruzadas, que tremem arrepiadas do vento ou de ti. Estás longe, estás tão perto. Não estás aqui.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

abraço revisitado

Quando acordei não estavas aqui, cheirava a relva molhada e ouvi a mangueira no jardim. Que mania a tua de regar de manhã, sem antes me abraçar de Bom dia.

É sempre estranho, ainda hoje passados tantos anos, acordar sem te ter ao meu lado. Faz-me falta o teu abraço de manhã, o teu abraço que me enche de força e produz tanta energia.
Preciso dele para funcionar, já não te disse?
O teu abraço, meu melhor abraço, abraço de sonho e de mais ninguem. Só tu e eu, meu e teu, nosso, nós, um.
Sempre foi assim. Lembras-te? Aquele nosso primeiro abraço, meu Deus, como foi aquele abraço.
Soube à partida que não te deixava mais. Abraçaste-me e gritaste mudo ao céu da noite que não me podias deixar.
E nessa noite fria de Inverno, quando o calor do teu corpo prendeu o meu, e os teus braços foram concha do meu corpo de mar, tão frágil, tão forte, tão seguro e familiar... Apaixonei-me por ti e pelo nosso abraço.
Nunca o meu corpo teve outra forma, nem as minhas mãos encaixaram outro pescoço e a minha cabeça outro peito que não o teu. Não assim, como se soubessem o caminho, como se fossem feitos para encaixar.
Fomos magia nesse abraço. E jurei-te que não éramos pó. Aquele abraço era muito mais que cinza que se vai no vento. Não era pó, nem cinza. Era magia, meu amor.
E agarraste-me, prendeste, entraste em mim tão abrupto e intenso, tão poderoso, como se amanhã não viesse mais, nem houvessem mais abraços teus e meus e nossos.
Tremiam-me as pernas e o coração acelerado, que te desejou para sempre nesse abraço, entre olhares e arrepios, e o tempo parou.
O tempo parou e o mundo parou e calaram as vozes e os carros e a música que tocava lá dentro na tua sala, e a música que eu ouvia na mente e as vozes da tua alma. Tudo isso calou e parou.
Éramos jovens e medo, e desordem e caos, e euforia, e desejo, e vontade nesse abraço.
Ainda o somos, hoje, quando nos abraçamos de Bom dia.
Como se não houvessem mais noites e manhãs, e braços e pernas que tremem, e magia, e pó, e inocência e vozes que calam em tempo que pára e abraços nossos. Assim.

Trazes um copo de sumo da cozinha, sorris e vens me abraçar ainda com as mãos molhadas.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

despertar

Crias e recrias, fazes produções fictícias que mudam a cor do céu.
E vês um arco-íris, só teu.
Alucinação pessoal que te move e te alimenta.
Crias e recrias, escreves finais possíveis ou felizes para a tua história.
E ao longe um cavalo preto e um sorriso aberto, só teu.
Alienas-te do real sem sabor, caramelizando pequenos detalhes que te marcam.
Crias e recrias, imaginas a tua estrada repleta de sol e encontras um lugar à sombra.
E tens um braço pelas costas, só teu.
Delírio pessoal que te aconchega.
Crias e recrias, escolhes o comboio sem te preocupar com a linha.
Não saltas fora. Insistes em chegar ao destino, só teu.
Não por curiosidade, tão pouco por teimosia...
Crias e recrias, escolhes o que queres ver e logo a seguir vendas os olhos.
Constróis castelos no ar, decoras castelos no ar, plantas flores no jardim do teu castelo no ar, só teu.
Tens, pelo menos, coragem de te permitir amar.
Crias e recrias, queres sapos com graça. Não gostas de príncipes, nem de lugares comuns.
Ainda assim, queres um happy ending, só teu.
Não te cansas de correr atrás do fugaz e insistes apanhar o improvável.
Vais criando e recriando, vais andando..

É acreditar no que existe para lá do óbvio que te guia? É a possibilidade eloquente e romântica de encontrar a peça que te falta? A que encaixa, única e insubstituível?
A boa noticia é que não há quebra-cabeças nem puzzles por resolver.

Há sentir, há amar, há querer. Simples.

O despertar inevitável.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Capítulo I

Ele fingia as palavras e lutava internamente para crer na sua própria mentira, esquecia-se que os olhos o atraiçoavam, não sabia que o avesso da sua conversa estava visível em todos os seus gestos. Mentia-lhe, tocava-lhe. Convencia-se que tinha de fugir. E fugia. Ele era capaz, sim, já o tinha provado. Ele era capaz de ser uma mentira segura e confiante, morna. Que vergonha. Ele falava, irritado, seguro do seu pecado. Sabia que ela fingia estar bem, convenceu-se que estava. Não tinha força para reconhecer o quanto a magoava quando ia embora, indiferente.
Ela continha o corpo, tinha medo que o seu tremor interno se sentisse debaixo da mesa, quando as suas pernas se tocavam num acidente forçado. Fingia estar bem, dizia-se bem, sorria. Na realidade estava, tê-lo por perto apagava todas as resoluções de partida. Tê-lo por perto era como estar em casa num dia horrível de chuva, era anestesiante.
Queria abraça-lo, mesmo sabendo que esse abraço não a levaria a lugar nenhum. Queria dar-se inteira, nua e crua. Queria dar tudo sabendo que era em vão. Mas fingia que já tinha passado, fingia ser forte e confiante, conformada. Não, não estava conformada, acreditava no esboço do romance que ela própria tinha pintado. Precisava de colo e estremecia com o seu cheiro.
Fingiam os dois, um controlo utópico. Ela que assim não o queria e Ele que só a queria um pouco. Era o começo de uma história e isso fingiam os dois não saber. Fingiam os dois.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Esgotam-se as palavras,
reinventam-se desejos e
assim bailam meus sentidos,
distraídos, nestas estradas.
Embriagados de ti.
Guiados por teu perfume incolor,
teu aroma doce sem sabor.
E teu toque que não esqueci.
Imagem encantada,
por mim criada.
Sabes-me apaixonada?
fico inspirada.
Malandro vais sorrindo na memória,
Perturbas-me a calma.
Quero seguir por esta história,
que de nada me encheu a alma.
Saudades desse desconhecido,
que já não me vem visitar.
Que anda desaparecido,
por não se querer encontrar.
É um fantasma o que dorme comigo,
o que me ama e me faz sonhar.
Só com fantasmas não sigo.
Falta-lhes corpo para abraçar...

Evaporam-se, esfumam-se, renovam-se, reconstroiem-se sentires pelo caminho.
E eu, também sorrindo, nunca páro de dançar.

"Pouca sinceridade é uma coisa perigosa, e muita sinceridade é absolutamente fatal."
"Um retrato pintado com a alma é um retrato, não do modelo mas do artista."
"A normalidade é uma ilusão imbecil" . Oscar Wilde

segunda-feira, 31 de março de 2008

Corpo que se funde na tela,
e tom esbatido de tanta cor misturar.
Pequena porção de um quadro gasto,
Vivo de sempre mudar.
Madeira velha de sótão e diluente em odor.
Não pinto, não sou pintada,
Sou pintura sem pintor.
Branco alpendre salgado
e cadeira de baloiçar.
Entardecer e corpo queimado,
Sou peregrina à procura de um lugar.
Banho frio de nascente,
Corpo de água dormente, transparente.
Desligo, quero ir com a corrente,
Meu exausto Sentir consciente.
Livro por escrever e
Folhas esmagadas no chão.
Na mesa, intacto,
meu corpo afiado de carvão.
Palavra não lida, história que passa despercebida,
Sou poeta que foi esquecida.
Noite de insónia, dia de sonhar.
No silêncio o saxofone,
Sou bailarina sem par.
Corpo que se perde na cama
De seda, suave, grande e vazia.
Sou abraço que não ama e se esconde em poesia.

domingo, 23 de março de 2008

Fazemos o mesmo erro repetidamente. Temos uma necessidade absurda de perceber sentimentos, de desmitificar algo que surge sem convite e se apodera daquilo que somos sem permissão, digo "algo que surge sem convite" porque se surge mediante convite já entra noutro saco e "sem permissão" porque não se controla, apesar de queremos acreditar que sim.
Estou a falar de sentimentos reais. Ou se gosta ou é para o que é... quanto a isso acho que não há dúvidas, e estou a escrever de quando se gosta.
Enfim, precisamos da dita sensação de controlo, de segurança, pelo menos da ilusão de estarmos em água pouco profunda. Temos medo de perder o pé, de mergulhar de cabeça, de ir com a corrente. Defesas, uns tem-nas mais que outros, mas no fundo só não nos queremos magoar.
Então racionalizamos, ou tentamos, estupidamente. Tentamos decifrar o que sentimos, o que nos faz sentir, chegar ao cerne da questão, á suposta essência. Porque isso nos dá um ilusório poder de domínio. Mas será que algúem consegue fazê-lo? Vá lá, são sentimentos não matemática. Não há cálculos nestas coisas, ou se sente ou não. Como explicar isso? Porque tentar somar e dividir parcelas? Quando no fundo as coisas são puras. Ou são ou não. Não há como achar resultados de coisas que simplesmente não se fragmentam, não se podem fragmentar. Complicamos! E estragamos.
Sentir é sempre diferente, é sempre único em cada situação, em cada momento particular, com cada pessoa em concreto. Entendermos assim o que nós sentimos já é tão complicado. Quanto mais o que outros sentem. É tanta presunção achar que o podemos fazer. E achamos. Mas fazemos sempre uma leitura á nossa imagem, vemos o mundo com o filtro dos nossos olhos, logo qualquer avaliação é subjectiva, ainda mais neste campo que é tão complexo.
Ainda assim temos a necessidade idiota de encontrar explicações, de comparar situações, de medir consequências de acção, de achar que temos domínio sobre o que sentimos e que o podemos controlar.
Escrevo sobre isto porque olho á volta e vejo pessoas infelizes, ou menos felizes do que poderiam ser. Vejo pessoas que não acreditam no amor, que acham de facto que tudo não passa de um jogo de interesses e conveniências mutuas. E que vivem assim, de falsas verdades, de sentir mais-ou-menos, de coisas mornas, mas supostamente mais seguras!! Mas não, deixem-me manter este olhar limpo sobre as coisas, de menina de 18 anos que ainda tem muito para viver. Quero acreditar que não é mera utopia, não pode ser.
O problema são as barreiras que nós criamos, barreiras essas que não podem ser julgadas, são tão humanas e naturais como os próprios sentimentos. Repito, ninguém quer sofrer, ninguém quer desilusões. Mas a chave para isso não é deixarmos de sentir as coisas a 100%, deixarmos de acreditar, tentarmos por limites ao que sentimos. Por mais que nos pareça que sim, não se foge ao que se sente, não se apaga, quanto muito deixa-se diluir. E voltamos às pessoas que fingem que são felizes e no fundo não se podem sentir verdadeiramente preenchidas. Acomodam-se á solução mais ponderada, á que implica menos riscos e que acaba por ser mais fácil.
Só podemos estar bem, bem mesmo bem, se estivermos nas coisas inteiros, se entrarmos nelas com tudo o que somos e com tudo o que temos para dar. Passando por cima de medos e receios, esquecendo as tentativas que falharam no passado.
Temos de deixar os sentimentos florescer e fluir naturalmente, como tem de ser, como só pode ser. Sem os tentarmos compreender, sem os tentarmos catalogar e especificar. Não podemos pensar tanto, porque se o fizermos acabamos por deitar por terra a chance de nos sentirmos verdadeiramente realizados.
Mas era preciso uma desaprendizagem colectiva do Sentir, visto que ao racionalizar sempre tudo, acabamos por mecanizar automaticamente protecções e mecanismos de fuga.
Porque sabemos que ao agir com tudo e sem barreiras, em real sintonia com o que intuitivamente desejamos e esperamos de uma relação, se esta não resultar a queda é de mais alto, a ferida é mais profunda e a dor muito maior. Pois teremos projectado nela as nossas mais altas expectativas, teremos deixado de lado as capas e exposto o que somos, tornando-nos ao olhos dos outros mais frágeis.
Em compensação quando as coisas resultam, enquanto resultam, são paz, são harmonia e prazer ao seu expoente máximo. Superam qualquer dúvida e qualquer certeza. Fazem sentido, aquele sentido tão irreal que nem dá para explicar de tão puro e tão simples, tão como tem de ser.

Não é (parece) claro??
Quero ser assim...

quinta-feira, 13 de março de 2008

Shine your light for the world to see

Comove-te com umas quantas frases absurdas e escreve textos de madrugada, quando devias dormir para acordar às sete da manhã. Escreve automaticamente e esquece-te dos parágrafos. Diz quando gostas, grita que gostas, vezes sem conta, amar nunca é demais. Surpreende-te com coisas banais, e com coisas especiais, só não percas a capacidade de te surpreender. Anda a pé sem destino, e vai a pé para o teu destino. É longe, e daí? Perde-te no chiado que já conheces tão bem cinco vezes na mesma tarde. Toma um café sozinha enquanto vês o rio e conversa contigo, com todos os Eus que és. Não te acomodes à solidão, nem nunca te habitues ao frio. Ouve decor o mesmo solo de piano de um autor desconhecido, lindo de morrer. Corre atrás das gaivotas na praia e molha sempre os pés. Come chocolate derretido com a colher de pau, devora chantily com morangos e pede batatas fritas a seguir se é isso que te apetece. Usa meias diferentes e óculos de sol tão ridículos como coloridos. Canta no metro, na rua, no chuveiro e na Fnac. Toma banhos quentes demorados, gasta toda a água da caldeira e não poupes os sais de banho, nem o creme hidratante. Acende sempre velas e dá muitos abraços. Dá música ao vizinho de cima, de baixo e ao da frente também. Põe mais um cobertor na cama e dorme com a janela aberta para sentir o vento, aliás, põe mais dois cobertores na cama e dorme nua de janela aberta para sentir o vento. Conversa com a velhinha do autocarro, com o motorista do táxi, com o empregado do bar. Troca palavras, partilha quem és. Aprende sempre qualquer coisa. Sorri muito, sorri sempre para quem te sorrir e para quem não te sorrir também. Sê, basicamente, como o sandâlo que perfuma o machado que o corta. Troca olhares nas filas de trânsito, brinca. Pisca o olho. Luta por aquilo que queres. Dança em todo lado, sem inibições e constrangimentos. Vê o por do sol todos os dias e tenta vê-lo quando nasce pelo menos uma vez por mês. Sê criança, joga, pula, salta, cai, esfola os joelhos e faz birra quando não quiseres comer a sopa. Enche-te de cortes que se curam com desenhos a betadine e saram em pele mais forte. Acredita que podes voar como o Peter Pan e nunca deixes de ver a sininho, afinal não somos pó, somos magia. Pega no carro e vai dormir ao Alentejo, pega no carro e estaciona mais à frente, apanha um comboio. Usa vestidos curtos, bem curtos, e compridos. Não uses soutien. Não passes os lenços a ferro. Gasta muito dinheiro num bom jantar, delicia-te no banco de pau de uma tasca. Deixa o telemóvel em casa. Escreve cartas de amor, sê romântica e tonta até ao fim. Quando tiveres na dúvida arrisca. Porque não? A pergunta que podes e deves repetir. Usa vezes sem conta o serviço de pratos guardado para as ocasiões especiais, e toca xilofone nos copos de cristal. Demora as despedidas. Beija bocas, pescoços, costas e mãos. Agarra a chuva e as estrelas também. Não seques o cabelo. Fica com o sal na pele e com cheiro de bronzeador. Abandona-te sempre às coisas simples e brinda com chá a vida que é boa de mais. Relativiza e/ou dramatiza, faz o que tiveres de fazer. Só não fiques parada a ver a vida passar. Nem finjas apatia.
Ama muito, dá tudo sem receio, desilude-te, chora e perdoa, para teres mais para dar da próxima vez. Não tens nada a perder!
Deixa o sol entrar e brilha, brilha contigo, com os outros e com o mundo.
Sê feliz hoje e agora, sempre. E faz do meu Sentir a tua filosofia.
"Faz tudo isto ou não faças nada, mas vive e escolhe sempre o caminho com mais flores."

..e esta divagação, carregada de entre-linhas, é para vocês que vêm com todas as cores do arco-íris e que deixam a caixa de cereais em cima da televisão pelo prazer de a ver fora do lugar, para esses e para os outros todos também.

domingo, 2 de março de 2008

verdade em "ina"

Foi como cocaína, prazer que logo termina. A vontade ainda domina mas só a lembrança me anima. Foste confeti e serpentina no meu mundo de menina. És ave de rapina, não guilhotina. Saudade é hoje rotina, na vida de bailarina. Beleza triste, feminina, nada encaixa, desatina. Não pode ser sina, perder-te na neblina. Vem, rasga esta cortina. Sê o sol que me ilumina, minha cura, medicina. Tanta distância alucina. O meu sentir só ensina: és muito mais que feniletinamina..

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

I'm singing in the rain...



Já tentaste agarrar a chuva? Quando chovem pedras preciosas de água e a cidade se inunda?
Diz-me, já tentaste agarrar a chuva?
Já ficaste com a mão molhada e a manga do casaco molhada e o braço molhado de tentar agarrar a chuva?
E o frio da chuva que te refresca a alma enquanto a chuva te encharca de esperança…
Já te perdeste em mares de histórias que viveste e viverás em noites de chuva, iguais a esta, da mesma força e de igual intensidade?
Já tentaste agarrar a chuva, quando chovem rios de chuva nas ruas da noite vazia e calma? Alagando e diluindo tudo cujo conteúdo é vão e supérfluo.
Quando a cidade se fecha em casa e fecha as janelas à chuva, à sumptuosa e poderosa chuva, criando barreiras e fugindo à chuva, com medo do seu encanto, do seu vicio, com medo de gostar de chuva?
Mas tu não, tu choves com a chuva que chove e flúis. Livremente.
E ris-te com a chuva que toca sinfonias em allegro e cascatas, que canta com tribos de bongos sortidos e sonoros, quando cai no chão e bate nos parapeitos das janelas fechadas e nos candeeiros quentes fazendo faíscas de fumo, criando múltiplas reacções e ecoando alto mas sempre delicadamente, tranquilamente, naturalmente.
Já tentaste agarrar a chuva enquanto os pássaros amedrontados cantam escondidos nas árvores dos imperiais, turbulentos e até teatrais, trovões?
Já tentaste agarrar a chuva e ser louco? Ser somente como a chuva que chove? Simples!
Enquanto o cheiro de terra molhada te afunda de um supremo, quase veneno, prazer?
Já tentaste agarrar a chuva? Quando a chuva relampeja contra o cepticismo deste mundo que não gosta de chuva, nem de se molhar… Purificando o teu olhar para que vejas nesta chuva muito mais do que um deprimido e contido céu cinzento?
Já tentaste agarrar a chuva sem decifrar se o teu rosto húmido é apenas fruto de chuva ou da felicidade que te invade? Em gotas densas, insaciáveis, incontroláveis.
Já escutaste e abraçaste a chuva?

Já dançaste e beijaste a chuva no pescoço?
Já fizeste amor com a chuva, tornando-te chuva que com a chuva chove?
Diz-me, já tentaste agarrar a chuva?
Eu já. E gostei…

(metáforas de chuva)

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Sabor a pouco

Sabe-me a pouco a boca e o peito amargo.
Num sufoco zumbido, que não mata mas mói,(mói e dói).
Sabe-me a pouco ser assim impotente, não ser indiferente.
Sabe-me a pouco o esboço que fiz de nós, não saber sem tinta.
(Os esboços que nunca deixaram de o ser, e ficaram por pintar.)
Sabe-me a pouco a boca e o peito amargo, amargo não, frio.
Sabe-me a pouco o teu sorriso na mente sem o teu cheiro no corpo.
Sabem-me a pouco as palavras que escrevo, (e não grito),
Automaticamente ensaiadas, fingidas. Letras combinadas, esquecidas,
Perdidas, como eu.
Que faço de mim, bonita, incompleta, sem câmara, sem fita, sem Poeta?
Que faço ao que tenho cá dentro? Relativizo-o a vento?
Não quero saber a assim.
Sou bicho do mato à procura de toca, borboleta sem casulo,
Ninho que nunca o foi.
E não quero saber mais assim.
Mas tu foges com o medo, meu amor, e levas o teu encanto contigo.
Não ficas antes comigo, no meu abraço que já é teu.
Foges com o medo, no vento.
E eu também fujo, ou tento.
Mas eu não quero saber assim.
Ainda assim, sou mulher se te deixo e menina se acredito?
Podias dançar-me até ao fim, enquanto o piano toca.
Gosto demais de tango para dançá-lo sozinha,
E tu és um bom par. (Imagino)
Irreflectida, irracional, impulsiva.
Intensificada, exagerada, apaixonada?
Paixão é simples, descomplicada.
No mínimo, verdadeira, é o que sei saber.
Não te minto que te quero, (sabes-me a pouco), tu sabes, mas inteiro.
Volto a ser pássaro sem direcção,
Volto a ser sem ser de todo,
Mas tenho o mundo e o por-do-sol comigo.
Sabe-me tanto este sabor a pouco.
Sabe-me a pouco o sabor a tanto.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Mimo


Solidão em noites de frio.
Há sempre uma lua cheia e cigarros que se fumam em formas.
Quase que ouço jazz, é esta música com perfume a Paris e um quê de grego que me resgata.
Como um mimo, um corpo preto esquecido, de infinitas expressões que falam por si.
Marioneta viva, fluída, desajeitada. Quase caio, mera ilusão, frágil.
Barulho do mar e gaivotas em terra, sempre a música, sempre aquele velho saxofone ao longe.
Faz-me pensar em velas e vinho só para um, logo eu que nem bebo.
Estou triste e o corpo dança. Acaba sempre por dançar. Mesmo agora que as costas fraquejam, os músculos cansados insistem em continuar.
Minha arte chama por mim, minha arte que me abraça sem tocar.
Pinto sombras na parede, sombras grandes, sombras que me aumentam e me fazem perfeição, nesta penumbra avermelhada.
E penso...Penso que tenho tanto em que pensar... E riu-me disso. Não penso em nada.
Louca, riu-me comigo.

Um dia apaixono-me por quem entender o que escrevo.


Algures em Novembro, o doce. R